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  • Foto do escritorKelen Pessuto

Videogramas de uma revolução e a imagem interdita


O documentário Videogramas de uma Revolução (1992) é um estudo sobre as relações entre a mídia e o poder. Os diretores Harum Farocki e Andrei Ujica combinam imagens da transmissão televisiva com imagens produzidas por cinegrafistas amadores (arquivo), para discutir o poder das imagens.

Durante um discurso pronunciado pelo ditador romeno Ceausescu, em Bucareste, em 21 de dezembro de 1989, transmitido ao vivo pela televisão, alguma coisa acontece que chama a atenção do ditador. A imagem treme, o ditador faz um sinal com a mão e a imagem é cortada para uma tela vermelha. É a partir dessa lacuna na imagem, que os diretores vão realizar esse filme reflexivo, que tem como objetivo deixar aparente as ‘formas de representação’ (Bill Nichols).

Sua montagem é por confrontação. Dubois, em “Cinema, vídeo, Godard”, afirma que esse método de edição implica um olhar distanciado do observador, que sabe que está vendo uma imagem. Isso reforça a ideia de reflexividade desse filme. Ele recombina fragmentos de procedências diversas e, da sua junção e confronto, cria uma outra imagem. É o princípio vertical de montagem e sua simultaneidade.

Acontece, por exemplo, quando a tela vermelha dá lugar às imagens captadas pela câmera que estava ainda ligada no carro, mas que não foram transmitidas pela tv. Nós vemos a confrontação das duas imagens que aparecem simultaneamente no quadro. Mas nenhuma das imagens mostra o que está ocorrendo. Só vamos saber o ocorrido quando nos são apresentadas as cenas captadas por um fotógrafo, que mostra manifestantes invadindo o prédio. Mesmo assim, elas não falam por si. É preciso uma voz over comentar as origens e as intervenções que são apresentadas. A partir desse confronto, Farocki dá uma atenção particular às condições de produção da imagem, que deixa de ser transparente e se mostra como tal, como discurso.

As imagens transmitidas pela tv em um regime ditatorial podem ser comparadas àquelas transmitidas pelos telejornais em tempo de guerra, analisadas por Arlindo Machado, em Pré-cinemas, pós-cinemas (2008). Nos dois casos, temos o mesmo hiato visual. Ele observa que na guerra do Golfo foi feito de tudo para eliminar as transmissões em tempo real. Quando se trabalha com o ao vivo, lida-se com o imprevisível, no discurso do ditador, a câmera perdeu o motivo frente o imprevisto.

É o que acontece no Irã, por exemplo. A maioria dos jornalistas do país foram presos durante os protestos realizados nas eleições de 2009 e praticamente nenhum jornalista estrangeiro pôde entrar no país neste período. Ali Samadi Ahdi, para realizar um filme sobre esses protestos, denominado The wave green (2009), recorreu às imagens captadas por celulares e postadas na rede, por anônimos e criou um filme utilizando recurso de animação já que não se pode filmar. É a imagem interdita.

Videogramas de uma Revolução utiliza a própria imagem interdita para falar sobre ela, sobre seu poder e polissemia. Os manifestantes tomam a emissora estatal, como se a democracia pudesse ser conquistada através da tv, das imagens. A demissão do primeiro ministro só se concretizou, pois ele falou ao vivo (e teve que repetir, pois a transmissão não havia começado na primeira vez que ele falou). O fuzilamento do ditador e de sua esposa só foi provado porque foi filmado e transmitido. Até hoje, muitas pessoas não acreditam na morte de Bin Laden, pois não há imagens sobre ela. A proliferação de imagens da morte de Kadhafi e a fila formada diante do frigorífico que está seu corpo, para as pessoas poderem tirar uma foto ao lado do defunto, torna essa questão pertinente. Do poder que a imagem tem na sociedade atual.

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